POVO OU MASSA?


Existem pessoas que acham que são livres, mas na verdade são manipuladas. Vivem uma vida inteira fazendo apenas aquilo que está sendo ditado. A música que ouvem, a roupa que vestem, os valores que defendem. Fãs que seguem seus ídolos. Pessoas assim servem, sem saber, a um mercado muito lucrativo. A reflexão tem por base documentos da Igreja; pensamentos dos Papas Pio XII, Paulo VI e João Paulo II; e, também, a Missão assumida pela RCC, descrita em nosso Planejamento Estratégico.

“Povo e multidão amorfa, ou como se pode dizer ‘massa’, são dois conceitos diversos”. Disse Pio XII em uma radiomensagem na véspera do Natal de 1944, ao refletir sobre a verdadeira democracia: “O povo vive e se move com vida própria – A massa é por si mesma inerte, e não pode receber movimento senão de fora. O povo vive da plenitude da vida dos homens que o compõem, cada um dos quais em seu próprio posto e à sua maneira, é pessoa consciente de suas próprias responsabilidades e suas próprias convicções. A massa pelo contrário espera impulso de fora.”

A massa pode ser facilmente manipulada, advertiu o Papa: “Joguete fácil nas mãos de um qualquer que explore seus instintos e impressões, disposta a seguir cada vez uma, hoje esta, amanhã aquela outra bandeira.” E isso é uma ameaça à democracia saudável e equilibrada, exortou: “A massa, como acabamos de definir, é a inimiga capital da verdadeira democracia e de seu ideal de liberdade e igualdade.”

Massas: é conveniente que elas existam
É impossível não enxergar a existência de grandes multidões que são “joguete fácil” nas mãos de grupos que exploram seus “instintos e impressões”. Uma coisa é fato, o comportamento de massa é lucrativo. É rentável, e muito! Faz parte de uma lógica utilitarista. Nela, o ser humano não passa de um mero consumidor. Então, não convém que as pessoas pensem a respeito de seus comportamentos, porque, para muitos, a alienação é fonte de riquezas.

Se...
Vejamos o que aconteceria se fôssemos realmente questionadores. Se todos decidissem ao mesmo tempo rever suas reais necessidades de consumo? O que seria do mundo da moda, se um número significativo de pessoas interrogasse os padrões que são impostos? O que justifica, por exemplo, que determinado estilo de sapato seja considerado moderno em um ano e nos seguintes seja cafona, brega? Mesmo que esteja em
 ótimas condições de uso, as pessoas são “obrigadas” a aposentá-lo sob o risco de serem consideradas ultrapassadas. Quem determina isso? Você já parou para pensar?

O que seria das emissoras de televisão se os telespectadores fossem mais críticos em relação à programação? Será que ainda existiriam novelas, por exemplo, com seus enredos cada vez mais medíocres? Existiriam programas que idiotizam o ser humano? Que não exigem nada de raciocínio? Entretenimento inofensivo, dirão alguns. Será?

Se todos tivessem senso crítico aguçado, haveria aqueles programas que se ocupam de filmar um grupo de pessoas 24 horas por dia? Programas nos quais reina absoluto o narcisismo? O único “mérito” que as pessoas em questão têm é o desejo de aparecer, ganhar dinheiro, fazer fama para depois assinar um bom contrato publicitário, participar de alguma novela, quem sabe...

E os que ficam em casa em frente a suas TVs ou computadores, ainda pagam por isso de forma bem específica e acham que estão interagindo porque podem votar e eliminar pessoas do jogo. E o mais estranho é que essas pessoas, que apenas fizeram expor suas vidas, sua intimidade, se transformam em celebridades. Tem lógica?

Celebridades: também convém que elas existam
Tem! Mas é uma lógica perversa. Celebridades anunciam produtos, ditam modas e comportamentos. Convém que existam celebridades. A protagonista da novela sempre está presente em várias campanhas publicitárias. A bela modelo também. Viram ídolos.

Ídolos existem para quê? Para serem adorados! Para serem seguidos por uma multidão de fãs que os idolatram. É bom que eles existam. Eles dão muito lucro. E as pessoas vivem uma falsa relação com eles. Os ídolos modernos também têm olhos, mas não veem seus adoradores; boca, mas não falam com eles, ouvidos mas não os escutam (cf. Salmo 115) . Vã ilusão. Seus seguidores não sabem que eles são fabricados por mãos humanas. Artesãos, experientes em lançar pessoas no rentável mercado da fama.

Os ídolos/celebridades vendem bem. Vendem cremes, carros, shampoos, sonhos; vendem imagens de um mundo ideal, de um corpo ideal. E o desejo do corpo perfeito também vende. Cosméticos, cirurgias, enfim, alimenta uma indústria da vaidade sem limites.

Meios de comunicação de massa
Estamos diante de um problema. E bastante complexo, diga-se. Não temos como definir uma única causa para tudo que apontamos acima. Mas podemos ver que existe uma poderosa presença dos meios de comunicação nesse fenômeno.

Existe um impacto das comunicações que não pode ser ignorado no comportamento das pessoas. “Eles têm um poderoso influxo no modo de pensar e agir dos indivíduos e comunidades” (Pio XII. Encíclica Miranda Prorsus). Eles “introduzem e refletem novas atitudes e estilos de vida” (Pontifício Conselho Para as Comunicações. Communio et progressio, 22).

Os diferentes meios de comunicação de massa têm o poder de influenciar a opinião pública, ou seja, o que as pessoas pensam a respeito de um assunto. Elas acabam considerando como verdadeiro e justo o que outras pessoas ou grupos que gozam de uma especial autoridade cultural, científica ou moral pensam e dizem (cf. João Paulo II. XX Dia Mundial para as Comunicações Sociais). Os meios acabam sendo essa “autoridade”.

Já que chegamos a este ponto da reflexão é bom esclarecer que a Igreja Católica não tem um posicionamento hostil aos meios. Pelo contrário, eles chegam a ser considerados “dons divinos”. Porém, a Igreja sabe e avisa que os mesmos podem ser bem ou mal utilizados. Através de diversos documentos, papas e bispos têm se dedicado a mostrar as potencialidades, mas também têm denunciado os casos em que eles são usados de forma deturpada. Criticam o abuso e a violação da dignidade humana e dos valores e ideais cristãos.

Os meios são nocivos quando, desprezando todo e qualquer ensinamento evangélico, ficam a serviço da cultura de morte: Que cultura é essa? Busquemos uma definição no Documento de Aparecida: “Caminhos de morte são os que levam a dilapidar os bens que recebemos de Deus através dos que nos precederam na fé. São caminhos que traçam uma cultura sem Deus e sem seus mandamentos ou inclusive contra Deus, animada pelos ídolos do poder, da riqueza e do prazer efêmero, a qual termina sendo uma cultura contra o ser humano...” ( DA, n. 13).

Dilapidam, esbanjam, dissipam, destroçam, desperdiçam. Quantas novelas, programas, músicas, livremente propagados pelos diferentes meios de comunicação que são totalmente alheios aos mandamentos de Deus? Que jogam tudo que há de mais valoroso para a autêntica fé cristã na lata do lixo? Dilapidam?

Situação séria a ponto de, em 1984, por ocasião do XVIII Mundial das Comunicações Sociais, João Paulo II se dirigir aos responsáveis pela operação de meios de comunicação, com um “apelo aflito”, como ele próprio definiu:

“Operadores da comunicação, não deem uma imagem mutilada do homem, distorcida, fechada aos autênticos valores humanos! Abram espaço para o transcendente, que torna o homem mais homem! Não zombem dos valores religiosos, não os ignorem, não os interpretem conforme esquemas ideológicos! [...] Não corrompam a sociedade e, especialmente, os jovens, com a representação intencional e insistente do mal, da violência, do aviltamento moral, fazendo uma obra de manipulação ideológica, semeando a divisão!"

Fato é que o Evangelho de Jesus Cristo não serve de critério para a produção de filmes, novelas, moda, anúncios publicitários. Essas realidades caminham alheias aos valores cristãos. Não levam em conta Deus e muito menos o próximo que é tratado apenas como consumidor em potencial. Quem se importa se pessoas estão sendo manipuladas?

João Paulo II estava muito atento a essa realidade. Chamou os meios de novos areópagos, fazendo referência à experiência de Paulo em Atenas (Cf. At 17, 22-31) e nos convocou a não apenas usar os meios para propagar a mensagem evangélica. A mídia inteira tem que estar impregnada pelo Evangelho: “É necessário integrar a mensagem nesta nova cultura criada pelas modernas comunicações” (Redemptoris Missio, 37).

Sim, os cristãos devem se importar. Porque seria muito fácil para nós estacionarmos na fase do “ver a realidade” e apenas culpar a mídia ou o mercado. Não podemos esquecer que não estamos falando de forças ocultas que agem de forma autônoma. É o ser humano que está por trás das decisões que movimentam o mundo da comunicação. E é o ser humano que aceita ou não o que lhe é oferecido.

E aqui temos uma questão inquietante: por que as pessoas acolhem tudo isso? Elas têm consciência? Por que, por exemplo, tempos atrás, de uma hora para outra, o funk virou um tipo de “febre” nacional? E todos começam a dançar do mesmo jeito, aliás, bastante vulgar. Por que as pessoas aderem a esses modismos? Impossível não lembrar Pio XII, ao falar sobre a massa “disposta a seguir cada vez uma, hoje esta, amanhã aquela outra bandeira”.

E se as pessoas consomem esse tipo de coisa, copiam, reproduzem, é porque também elas não foram tocadas pelos ensinamentos do Evangelho, ou não aderiram de verdade às propostas de Cristo. A ponto de saberem que nem tudo lhes convém. Missão para os cristãos!

Sim, não basta que critiquemos a mídia ou que chamemos as pessoas de alienadas. Ao apontarmos esses problemas, temos o grande desafio de não nos conformarmos e agirmos. Talvez não tenhamos acesso a profissionais dessa área, mas podemos fazer alguma coisa.

Primeiro, rejeitar todo e qualquer programa ou ideia que contrarie o Evangelho, que atente contra a proposta de santidade que Jesus veio trazer a este mundo. Depois, evangelizando. De verdade. Essa é a proposta. Esse é o compromisso que a Renovação Carismática Católica foi chamada a assumir e deve levar até as últimas consequências: implantar no mundo a Cultura de Pentecostes. Cultura que Jesus veio estabelecer.

É Missão nossa “fazer discípulos de nosso Senhor Jesus Cristo evangelizando o povo de Deus no Brasil, a partir da experiência do Batismo no Espírito Santo”. Nós temos acesso às pessoas. Milhares vêm até nós, em nossos Grupos, eventos, ou outras atividades próprias do Movimento. Evangelizar, nos ensina Paulo VI, é levar a Boa Nova a todas as parcelas da humanidade e a partir disso transformá-las a partir de dentro e tornar nova a própria humanidade. Ele disse que “não se trata tanto de pregar o Evangelho a espaços geográficos cada vez mais vastos ou populações maiores em dimensões de massa”. Trata-se de “chegar a atingir e como que a modificar pela força do Evangelho os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade, que se apresentam em contraste com a Palavra de Deus e com o desígnio da salvação” (Evangelii Nuntiandi, 19).
Essa tem que ser nossa meta. E tem mais: Paulo VI exortou-nos a não nos contentarmos com uma evangelização aparente. ”Importa evangelizar, não de maneira decorativa, como que aplicando um verniz superficial, mas de maneira vital, em profundidade e isto até às suas raízes, a civilização e as culturas do homem” (EN, 20) .
Somente homens novos poderão construir uma humanidade nova.

Lúcia Volcan Zolin
Coordenadora Nacional do Ministério e da Comissão de Comunicação
Grupo de Oração Divina Misericórdia

Fonte: RCC Brasil