O AMOR DE DEUS SUPERA A MORTE


Apresentamos, a seguir, a catequese que o Papa Bento XVI dirigiu aos fiéis reunidos para a audiência geral durante a celebração do dia de Finados.

Queridos irmãos e irmãs:
Depois de celebrarmos a solenidade de Todos os Santos, a Igreja nos convida a relembrar os fiéis defuntos, a dirigir nosso olhar para tantos rostos que nos precederam e concluíram o seu caminho terreno. Na audiência deste dia, por isso, eu gostaria de propor a vocês alguns pensamentos singelos sobre a realidade da morte, que, para nós, cristãos, é iluminada pela Ressurreição de Cristo, a fim de renovarmos a fé na vida eterna.

Nestes dias, nós vamos ao cemitério rezar pelas pessoas queridas que nos deixaram. Quase uma visita para expressar, mais uma vez, o nosso afeto, para senti-los perto, recordando também, deste modo, um artigo do Credo: creio na comunhão dos santos. Há um vínculo estreito entre nós, que caminhamos nesta terra, e os muitos irmãos e irmãs que já alcançaram a eternidade.

Desde sempre, o homem se preocupa com os seus mortos e tenta dar a eles uma espécie de segunda vida através da atenção, do cuidado, do afeto. Em certo sentido, queremos conservar a sua experiência de vida. E, paradoxalmente, o modo como eles viveram, o que eles amaram, o que eles temeram, o que esperaram e o que detestaram, nós descobrimos precisamente pelos seus túmulos, onde lembranças se acumulam. São quase como um espelho do seu mundo.

Por quê? Porque embora a morte seja um tema quase proibido em nossa sociedade, e pretendam continuamente tirar da nossa mente o mero pensamento da morte, ela nos afeta, a cada um de nós; ela afeta o homem de todo tempo e de todo lugar. E diante deste mistério, todos, mesmo inconscientemente, procuramos algo que nos convide a esperar, um sinal que nos dê consolo, que abra algum horizonte, que ofereça um futuro. O caminho da morte, na verdade, é um caminho de esperança, e percorrer os nossos cemitérios, e ler as inscrições nas lápides, é percorrer um caminho traçado pela esperança de eternidade.

Mas por que tememos a morte? Por que a humanidade, em sua maioria, nunca se resignou a crer que depois dela não haja simplesmente nada? Eu diria que as respostas são muitas: tememos a morte porque
 temos medo do nada, desse partir rumo a algo que não conhecemos. E existe em nós um sentimento de rejeição porque não podemos aceitar que tudo o que de belo e de grande foi realizado durante toda uma existência seja eliminado de repente, caia no abismo do nada. Acima de tudo, sentimos que o amor exige eternidade, e não é possível que ele seja destruído pela morte num único instante.

Também temos medo diante da morte porque, quando nos encontramos no final da existência, existe a percepção de que há um juízo sobre as nossas ações, sobre o modo como levamos a vida, especialmente naqueles pontos sombrios que, com habilidade, sabemos retirar ou tentamos retirar da nossa consciência. Eu diria que precisamente o juízo está implícito no cuidado do homem de todos os tempos pelos defuntos, na atenção pelas pessoas que foram significativas para ele e que já não estão junto dele no caminho da vida terrena. Num certo sentido, os gestos de afeto, de amor, que rodeiam o defunto, são uma forma de protegê-lo, na convicção de que não ficarão sem efeito no juízo. Podemos captar isto na maior parte das culturas que caracterizam a história do homem.

Hoje o mundo se tornou, pelo menos aparentemente, muito mais racional, ou melhor, difundiu-se a tendência a pensar que toda realidade deve ser vista com os critérios da ciência experimental, e que também a morte deve ser respondida não a partir da fé, mas de conhecimentos empíricos. Não percebemos direito que, assim, caímos em formas de espiritismo, na pretensão de ter algum contato com o mundo além da morte, quase imaginando uma realidade que seria uma cópia da realidade presente.

Queridos amigos, a solenidade de Todos os Santos e a Comemoração dos Fiéis Defuntos nos dizem que só quem pode reconhecer uma grande esperança na morte pode também viver uma vida a partir da esperança. Se reduzimos o homem exclusivamente à sua dimensão horizontal, àquilo que podemos perceber empiricamente, a própria vida perde o seu sentido profundo. O homem precisa da eternidade, e qualquer outra esperança para ele é breve demais, limitada demais.

O homem pode ser explicado somente se existe um Amor que supera todo isolamento, inclusive o da morte, numa totalidade que transcende também o espaço e o tempo. O homem pode ser explicado, ele encontra o seu sentido mais profundo, só se Deus existe. E nós sabemos que Deus saiu da sua lonjura e se fez próximo, entrou em nossa vida e nos disse: “Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem crê em mim, mesmo morrendo, viverá: e todo aquele que vive e crê em mim não morrerá jamais” (Jo 11,25-26).

Pensemos um momento na cena do Calvário e voltemos a escutar as palavras de Jesus, do alto da cruz, voltadas ao ladrão crucificado à sua direita: “Em verdade te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43). Pensemos nos dois discípulos a caminho de Emaús, quando, depois de andarem um trecho com Jesus Ressuscitado, eles o reconhecem e partem sem duvidar de volta a Jerusalém, para anunciar a Ressurreição do Senhor (cf. Lc 24,13-35). Voltam à nossa mente as palavras do Mestre com renovada clareza: “Não se perturbe o vosso coração, tende fé em Deus e tende fé em mim. Na casa do meu Pai há muitas moradas. Se não, eu não vos teria dito: 'Vou preparar-vos um lugar’” (Jo 14, 1-2).

Deus se mostrou verdadeiramente, tornou-se acessível, amou tanto o mundo, “que deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16); e no supremo ato de amor da cruz, submergindo-se no abismo da morte, venceu-a, ressuscitou e abriu também para nós as portas da eternidade. Cristo nos sustenta por meio da noite da morte que Ele mesmo atravessou; é o Bom Pastor, sob cuja guia podemos nos confiar sem temor, já que Ele conhece bem o caminho, também atravessou a escuridão.

Cada domingo, recitando o Credo, reafirmamos esta verdade. E, ao visitar os cemitérios para rezar com carinho e amor pelos nossos defuntos, somos convidados, mais uma vez, a renovar com coragem e força a nossa fé na vida eterna; e mais ainda: a viver com esta grande esperança e a dar testemunho dela ao mundo: depois do presente, não está o nada. E precisamente a fé na vida eterna dá ao cristão a coragem para amar ainda mais intensamente esta nossa terra e trabalhar para construir-lhe um futuro, para dar-lhe uma esperança verdadeira e segura.

No final da audiência, Bento XVI saudou os peregrinos em vários idiomas. Em português, disse:

Queridos irmãos e irmãs:
Hoje a Igreja nos convida a pensar em todos aqueles que nos precederam, tendo concluído o seu caminho terreno. Na comunhão dos Santos, existe um profundo vínculo entre nós que ainda caminhamos nesta terra e a multidão de irmãos e irmãs que já alcançaram a eternidade. Em definitiva, o homem tem necessidade da eternidade; mas por que experimentamos o medo diante da morte? Dentre as várias razões, está o fato de que temos medo do nada, de partir para o desconhecido. Não podemos aceitar que de improviso caia, no abismo do nada, tudo aquilo que de belo e de grande tenhamos feito durante a nossa vida. Sobretudo, sentimos que o amor requer a eternidade, não pode ser destruído pela morte assim num momento. Além disso, assusta-nos a morte, por causa do juízo sobre as nossas ações que a ela se segue. Mas Deus manifestou-Se enviando o seu Filho Unigênito para que todo aquele que acredita não se perca, mas tenha a vida eterna. É consolador saber que existe um Amor que supera a morte, um amor que é o próprio Deus que se fez homem e afirmou: «Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que tenha morrido, viverá» (Jo 11,25).

Saúdo com afeto os peregrinos de língua portuguesa. Exorto-vos a construir a vossa vida aqui na terra trabalhando por um futuro marcado por uma esperança verdadeira e segura, que abra para a vida eterna. Que Deus vos abençoe!

Fonte: RCC Brasil