A ORAÇÃO INTERCESSORA DE ABRAÃO
O papa Bento XVI conduz semanalmente, durante a oração do
Ângelus (ou do Regina Coeli, durante o tempo pascal), um momento de catequese.
O tema desses ensinamentos é oração.
Queridos irmãos e irmãs
Nas duas últimas catequeses, refletimos sobre a oração como
fenômeno universal, que - inclusive de diversas formas - está presente nas
culturas de todas as épocas. Hoje, no entanto, eu gostaria de começar um
percurso bíblico sobre este tema, que nos conduzirá a aprofundar no diálogo de
aliança entre Deus e o homem, presente na história da salvação, até o seu cume,
a Palavra definitiva que é Jesus Cristo. Este caminho nos fará deter-nos em
alguns textos importantes e figuras paradigmáticas do Antigo e do Novo
Testamentos. Será Abraão, o grande patriarca, pai de todos os crentes (cf. Rm
4,11-12.16-17), quem nos oferecerá o primeiro exemplo de oração, no episódio de
intercessão pela cidade de Sodoma e Gomorra. E eu gostaria de vos convidar a
aproveitar este percurso que faremos nas próximas catequeses para aprender a
conhecer melhor a Bíblia, que espero que tenhais em vossas casas; e, durante a
semana, podeis lê-la e meditá-la na oração, para conhecer a maravilhosa
história da relação entre Deus e o homem, entre o Deus que se comunica conosco
e o homem que responde, que reza.
O primeiro texto sobre o qual refletiremos se encontra no
capítulo 18 do livro do Gênesis; conta-se que a maldade dos habitantes de
Sodoma e Gomorra estava chegando ao seu limite, tanto que se fez necessária uma
intervenção de Deus para realizar um grande ato de justiça e frear o mal,
destruindo aquelas cidades. Aqui intervém Abraão, com sua oração de
intercessão. Deus decide revelar-lhe o que vai lhe acontecer e lhe faz conhecer
a gravidade do mal e suas terríveis consequências, porque Abraão é seu
escolhido, escolhido para construir um grande povo e fazer que o mundo inteiro
alcance a bênção divina. A sua é uma missão de salvação, que deve responder ao
pecado que invadiu a realidade do homem; através dele, o Senhor quer levar a
humanidade à fé, à obediência, à justiça. E então, este amigo de Deus se abre à
realidade e às necessidades do mundo, reza pelos que estão a ponto de ser
castigados e pede que sejam salvos.
Abraão enfrenta, logo depois, o problema em toda a sua
gravidade e diz ao Senhor: "Vais realmente exterminar o justo com o ímpio?
Se houvesse cinquenta justos na cidade, acaso os exterminarias? Não perdoarias
o lugar por causa dos cinquenta justos que ali vivem? Longe de ti proceder
assim, fazendo morrer o justo com o ímpio, como se o justo fosse igual ao
ímpio! Longe de ti! O juiz de toda
a terra não faria justiça?" (vv.
23-25). Com estas palavras, com grande coragem, Abraão apresenta a Deus a
necessidade de evitar a justiça sumária: se a cidade é culpada, é justo
condenar e infligir a pena, mas - afirma o grande patriarca - seria injusto
castigar de modo indiscriminado todos os habitantes. Se na cidade há inocentes,
estes não podem ser tratados como culpados. Deus, que é um juiz justo, não pode
agir assim, diz Abraão, justamente, a Deus.
Ao lermos mais atentamente o texto, percebemos que a petição
de Abraão é ainda mais séria e profunda, porque não se limita a pedir a
salvação para os inocentes. Abraão pede o perdão para toda a cidade e o faz
apelando à justiça de Deus. Ele diz, de fato, ao Senhor: "Não perdoarias o
lugar por causa dos cinquenta justos que ali vivem?" (v. 24b). Dessa
maneira, coloca em jogo uma nova ideia de justiça: não a que se limita a
castigar os culpados, como os homens fazem, mas uma justiça diferente, que
busca o bem e o cria através do perdão que transforma o pecador, converte-o e o
salva. Com a sua oração, portanto, Abraão não invoca uma justiça meramente
retributiva, mas uma intervenção de salvação que, levando em conta os inocentes,
liberta da culpa também os ímpios, perdoando-os. O pensamento de Abraão, que
parece quase paradoxal, poderia se resumir assim: obviamente, não se pode
tratar os inocentes como os culpados, isso seria injusto; é necessário, no
entanto, tratar os culpados como os inocentes, realizando um ato de justiça
"superior", oferecendo-lhes uma possibilidade de salvação, porque, se
os malfeitores aceitam o perdão de Deus e confessam sua culpa, deixando-se
salvar, não continuarão fazendo o mal; eles se converterão também em justos,
sem necessitar jamais ser castigados.
É esta a petição de justiça que Abraão expressa em sua
intercessão, uma petição que se baseia na certeza de que o Senhor é
misericordioso. Abraão não pede a Deus uma coisa contrária à sua essência; ele
bate à porta do coração de Deus conhecendo sua verdadeira vontade. Já que
Sodoma é uma grande cidade, cinquenta justos parecem pouca coisa, mas a justiça
de Deus e seu perdão não são talvez a manifestação da força do bem, ainda que
este pareça menor e mais fraco que o mal? A destruição de Sodoma deveria frear
o mal presente na cidade, mas Abraão sabe que Deus tem outras maneiras e meios
para frear a difusão do mal. É o perdão que interrompe a espiral do pecado e
Abraão, em seu diálogo com Deus, apela exatamente a isso. E quando o Senhor
aceita perdoar a cidade se encontrar nela cinquenta justos, sua oração de
intercessão começa a descer aos abismos da misericórdia divina. Abraão - como
recordamos - diminui progressivamente o número dos inocentes necessários para a
salvação; se não forem cinquenta, poderiam ser quarenta e cinco, e assim por
diante, até chegar a dez, continuando com a sua súplica, que se torna audaz na
insistência: "E se forem só quarenta... trinta... vinte... dez?" (cf.
v. 29. 30. 31. 32). E, quanto menor é o número, maior se revela e se manifesta
a misericórdia de Deus, que escuta com paciência a oração, acolhe-a e repete
depois de cada súplica: "Perdoarei... Não a destruirei... Não o
farei" (cf. v. 26. 28. 29. 30. 31. 32).
Assim, pela intercessão de Abraão, Sodoma poderá ser salva,
se nela se encontrarem apenas dez inocentes. Este é o poder da oração. Porque,
através da intercessão, da oração a Deus pela salvação dos outros, se manifesta
e se expressa o desejo de salvação que Deus tem sempre com relação ao pecador.
O mal, de fato, não pode ser aceito, deve ser apontado e destruído através do
castigo: a destruição de Sodoma tinha esta intenção. Mas o Senhor não quer a
morte do pecador, mas que se converta e viva (cf. Ez 18,23; 33,11); seu desejo
é perdoar sempre, salvar, dar a vida, transformar o mal em bem. E este é o desejo
divino que, na oração, se torna também desejo do homem e se expressa por meio
das palavras de intercessão. Com sua súplica, Abraão está emprestando sua voz,
mas também seu coração à vontade divina: o desejo de Deus é misericórdia, amor
e vontade de salvação, e este desejo de Deus encontrou em Abraão e na sua
oração a possibilidade de manifestar-se de maneira concreta na história dos
homens, para estar presente onde há necessidade de graça. Com a voz da sua
oração, Abraão está dando voz ao desejo de Deus, que não é o de destruir, mas o
de salvar Sodoma, dar vida ao pecador convertido.
Isso é o que o Senhor quer, e seu diálogo com Abraão é uma
prolongada e inequívoca manifestação do seu amor misericordioso. A necessidade
de encontrar homens justos na cidade se converte cada vez mais em menos
exigente e, no final, bastam dez para salvar a totalidade da população. Por que
motivo Abraão se deteve em dez, o texto não diz. Talvez seja um número que
indica um núcleo comunitário mínimo (ainda hoje, dez pessoas constituem oquorum
necessário para a oração hebraica). De qualquer forma, trata-se de um número
exíguo, uma pequena parcela do bem para salvar um grande mal. Mas nem sequer
dez justos se encontravam em Sodoma e Gomorra e as cidades foram destruídas -
uma destruição paradoxalmente necessária para a oração de intercessão de
Abraão. Porque precisamente essa oração revelou a vontade salvífica de Deus: o
Senhor estava disposto a perdoar, desejava fazê-lo, mas as cidades estavam
fechadas em um mal total e paralisante, sem ter nem ao menos alguns poucos
inocentes a partir dos quais começar a transformar o mal em bem.
Porque é este o caminho de salvação que também Abraão pedia:
ser salvos não quer dizer simplesmente escapar do castigo, mas ser libertados
do mal que nos habita. Não é o castigo que deve ser eliminado, mas o pecado,
essa rejeição de Deus e do amor que leva em si o castigo. Dirá o profeta
Jeremias ao povo rebelde: "Teu crime te castigue, tua infidelidade sirva
para tua correção! Reconhece e vê como é ruim e amargo teres abandonado o
Senhor, teu Deus" (Jer 2,19). É dessa tristeza e amargura que Deus quer
salvar o homem, libertando-o do pecado. Mas é necessária uma transformação a
partir do interior, uma gota de bem, um começo do qual partir para transformar
o mal em bem, o ódio em amor, a vingança em perdão. Por isso, os
justos tinham que estar dentro da cidade e Abraão continuamente repete:
"Talvez lá haja...", "lá": é dentro da realidade doente que
deve estar esse gérmen de bem que pode curar e devolver a vida. É uma palavra
dirigida também a nós: que em nossas cidades haja um gérmen de bem; que façamos
o necessário para que não sejam apenas dez justos, para conseguir realmente fazer
que nossas cidades vivam e sobrevivam, para salvá-las dessa amargura interior
que é a ausência de Deus. E, na realidade doente de Sodoma e Gomorra, aquele
gérmen de bem não estava presente.
Mas a misericórdia de Deus na história do seu povo se amplia
mais tarde. Se para salvar Sodoma eram necessários dez justos, o profeta
Jeremias dirá, em nome do Onipotente, que basta somente um justo para salvar
Jerusalém: "Percorrei as ruas de Jerusalém, olhai, descobri, procurai
também nas praças, se há alguém que pratique o direito, alguém que busque a
sinceridade, para que, então, eu perdoe a cidade" (Jer 5,1). O número
diminuiu mais ainda, a bondade de Deus se mostra ainda maior. E nem sequer isso
basta, a sobreabundante misericórdia de Deus não encontra a resposta do bem que
busca e Jerusalém cai sob o assédio dos inimigos. Será necessário que Deus se
converta nesse justo. E este é o mistério da Encarnação: para garantir um
justo, Ele mesmo se faz homem. O justo estará sempre presente, porque é Ele: é
necessário que o próprio Deus se converta nesse justo. O infinito e
surpreendente amor divino é manifestado em sua plenitude quando o Filho de Deus
se faz Homem, o Justo definitivo, o perfeito Inocente, que levará a salvação ao
mundo inteiro morrendo na cruz, perdoando e intercedendo por aqueles que
"não sabem o que fazem" (Lc 23,34). Então, a oração de todo homem
encontrará resposta; então, todas as nossas intercessões serão plenamente
escutadas.
Queridos irmãos e irmãs, a súplica de Abraão, nosso pai na
fé, nos ensina a abrir cada vez mais o coração à misericórdia sobreabundante de
Deus, para que, na oração cotidiana, saibamos desejar a salvação da humanidade
e pedi-la com perseverança e confiança ao Senhor, que é grande no amor.
Obrigado!
Obrigado!
No final da audiência, o Papa cumprimentou os peregrinos em
vários idiomas. Em português, disse:
Queridos irmãos e irmãs
Figura paradigmática do homem em oração é Abraão, que
intercede junto de Deus pela salvação das cidades de Sodoma e Gomorra. Não pede
apenas uma justiça retributiva, mas uma intervenção salvadora de Deus que,
tendo em conta os inocentes, livre da culpa os ímpios. Tratar os inocentes como
os culpados seria injusto, obviamente; o que Abraão pede é que os culpados
sejam tratados como os inocentes, realizando Deus uma justiça «superior», isto
é, oferecendo-lhes uma possibilidade de salvação, porque se eles aceitarem o
perdão de Deus e confessarem a culpa deixando-se salvar, cessarão de fazer o
mal e tornar-se-ão também eles justos, que já não necessitam de punição. É certo
que a destruição da cidade punha fim ao mal que nela havia, mas Abraão sabe que
Deus tem outros modos e outros meios para deter a difusão do mal: é o perdão.
Este interrompe a espiral do pecado. É isto mesmo que Abraão pede no seu
diálogo com Deus.
Uma saudação amiga para os fiéis da paróquia da Covilhã e da
diocese de Maringá, para os Irmãos Maristas da província Brasil Centro-Sul e
demais peregrinos de língua portuguesa! Convido-vos a aproveitar o percurso que
faremos nas próximas catequeses para conhecer melhor a Bíblia, que tendes -
penso eu - em casa.
Durante a semana, parai um pouco a lê-la e meditá-la na
oração para aprenderdes a história maravilhosa da relação entre Deus e o homem:
Deus que Se comunica a nós, e nós que Lhe respondemos rezando. Sereis assim uma
bênção no meio dos vossos irmãos, como foi Abraão. A Virgem Mãe vos guie e
proteja!
Fonte: Zenit
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