Grupos de Oração
sem a experiência do Batismo no Espírito Santo, exercício dos carismas e o
cultivo da vivência fraterna, revelam uma face desfigurada da RCC. Reflitamos a
esse respeito tendo por base o texto de Rogério Soares, para a Revista
Renovação, edição nº70, que nos traz, também, um comovente testemunho
sobre o que pode acontecer quando um Grupo de Oração vive plenamente sua
identidade.
Por
Rogério Soares
Coordenador Estadual da RCC São Paulo
Grupo de Oração Kénosis
A identidade carismática é marcada por três elementos
essenciais: o batismo no Espírito Santo, o exercício dos carismas e a vida
fraterna. Embora existam outros ambientes em que a prática desse conjunto de
elementos possa acontecer, o Grupo de Oração é, sem dúvida, um lugar
privilegiado para que se viva profundamente tais experiências.
Dizemos “lugar privilegiado” – não exclusivo – pelo fato
de que no Grupo de Oração tais experiências emanam “de modo natural” como
decorrência da abertura da comunidade reunida à experiência do Espírito. Há na
comunidade ali reunida uma fé expectante no agir de Deus que se manifesta por
meio do Batismo no Espírito Santo, que derramará seus dons e carismas e
possibilitará a experiência de vida fraterna.
Esses três elementos confirmam e autenticam a identidade
carismática. Por isso mesmo, o rosto de um Grupo de Oração – comunidade
carismática – só pode ser percebido na integração desses três elementos, no
mínimo.
Na Renovação Carismática Católica, dois desses elementos
estão sempre em relevo: as chamadas experiências de Batismo no Espírito e a
prática dos carismas. De fato, esses dois elementos são emblemáticos e não
podem ser relegados a um segundo plano ou postos como adornos na vida do
Movimento. Isso significaria desfigurar o rosto da RCC, tornando-a
dispensável
à própria Igreja Católica. Renunciar a esses elementos significaria nossa
desfiguração ou deformação do rosto carismático que trazemos por vocação na
Igreja.
Ora, o mesmo vale dizer para o elemento “vida fraterna”,
que com os outros dois anteriores ajudam a caracterizar a identidade
carismática da RCC. Tão imprescindível quanto o batismo no Espírito Santo e a
prática dos carismas, a vida fraterna torna-se elemento constitutivo na
legitimação de nossa identidade carismática. Ninguém é batizado no Espírito
Santo para continuar vivendo no isolamento. Pelo contrário, a experiência do
Espírito abre a pessoa à experiência comunitária, no amor de irmãos que, assim
como ela, também se descobriram amados por Deus. A pessoa é atraída – não
forçada – para uma comunidade, lugar onde poderá exercitar os carismas
recebidos, crescendo em “sabedoria e graça” (Lc 2,52).
Grupo de oração, lugar de vida fraterna
O Novo Testamento revela que o grupo dos discípulos de
Jesus já mantinha grande convivência mesmo antes de Pentecostes. Desde que
foram chamados por Jesus, os discípulos já faziam uma experiência de vida
fraterna, assistida e coordenada pelo Mestre. Enquanto aguardavam o cumprimento
da promessa (At 1,4), eles permaneciam em Jerusalém, na sala do Cenáculo.
Aguardavam como comunidade reunida.
Podemos tirar dessa afirmação ao menos três questões
relevantes para nossa reflexão: 1) Pentecostes é uma experiência vivida “na
comunidade”; 2) Embora seja na comunidade, a experiência do Espírito é pessoal;
3) Uma consequência constitutiva de Pentecostes é a vida em comunidade.
1) Pentecostes é uma experiência vivida na comunidade
Quando o Espírito Santo foi derramado no dia de
Pentecostes (Cf. At 2), Lucas escreve que “eles estavam reunidos no mesmo
lugar” (At 2,1). Alguns dias antes, dois deles haviam se destacado do grupo e
caminhavam para fora da cidade quando o próprio Jesus lhes aparecera
convidando-os a retornar à cidade e a juntar-se novamente à comunidade, até que
fossem revestidos da força do alto (Cf. Lc 24,49). Ora, não foi obra do acaso o
fato de o Espírito Santo ter se manifestado quando os discípulos estavam
reunidos em comunidade.
A imagem da comunidade reunida aguardando o derramamento
do Espírito Santo não nos parece ser a imagem mais próxima daquilo que marca
nossos Grupos de Oração? A reunião de oração de um povo que aguarda com “fé
expectante” a manifestação poderosa do Espírito é a forma mais autêntica de
definir o significado de um Grupo de Oração. O Espírito Santo vem quando eles
estão reunidos. A importância de “permanecer reunidos” em comunidade para a
concretização da promessa do Consolador (Jo 14, 16) é essencial para o evento
Pentecostes.
2) A experiência do Espírito é pessoal
Não obstante ao fato de Pentecostes ser uma experiência
comunitária, o texto dos Atos dos Apóstolos sublinha o fato de que as “línguas
de fogo pousaram sobre cada um deles” (At 2,3).
Chamamos de “experiência pessoal do Espírito” a realidade
que cada um experimenta individualmente quando Deus derrama seu Espírito na
comunidade reunida. O Espírito é dado a todos, mas cada um o recebe na medida
da abertura de seu próprio coração. Não se trata de uma experiência “de massa”,
por indução ou por “contágio”. O Espírito de Deus visita a comunidade e enche a
todo que se deixa por Ele ser tocado. O “sim” ao Espírito é fruto da liberdade de
cada fiel que se abre à experiência de amor.
Tal experiência individual, no entanto, não mantém o fiel
no isolamento ou na indiferença ao irmão. Ao contrário, tanto mais a
experiência do Espírito atinge a particularidade de cada pessoa, quanto essa
pessoa vai abrindo-se à vida fraterna em comunidade. À medida que se descobre o
agir do Espírito na vida interior, aumenta na mesma proporção o grau de
aproximação da pessoa com a comunidade. Essa é uma forma de verificação da
realidade de Pentecostes na vida do fiel.
É fundamental, portanto, ao Grupo de Oração, que cada um
viva sua experiência pessoal do Espírito de forma contínua, pois isso resultará
em grande graça para cada participante e para toda a comunidade. Na medida em
que “a graça de Deus cresce em nós sem cessar”, vamos tornando-nos expressão
dessa mesma graça para nossa comunidade, favorecendo assim nossa vida fraterna.
As divisões dentro de um Grupo de Oração não são frutos
de meros impulsos humanos, mas no fundo, da ausência da graça de Deus em nós. O
afastamento da vida na graça de Deus poderia tornar-nos insuportáveis uns aos
outros. Sem a presença do “amor de Deus derramado em nossos corações” (Rm 5,5)
como poderíamos ser chamados de irmãos?
Por isso, faz-se necessário pedir sempre um novo Pentecostes
para cada pessoa presente no Grupo de Oração, individualmente.
3) Uma consequência constitutiva de Pentecostes é a vida
em comunidade
Chegamos aqui ao ponto central de nosso tema. Pensar o
Grupo de Oração como uma comunidade fraterna é tocar na consequência objetiva
mais impactante de Pentecostes. Mais desconcertante do que a manifestação
miraculosa dos carismas de profecia, cura e pregação na comunidade primitiva, o
testemunho de uma comunidade fraterna (frater = irmãos) deixava os concidadãos
dos discípulos intrigados. “Vejam como eles se amam”, diziam a respeito
daqueles seguidores de Jesus que há pouco recebera o Espírito Santo. Era o
cumprimento do mandamento do Senhor: “Nisto todos conhecerão que sois meus
discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 13, 35).
Traduzimos por “comunhão fraterna” o termo grego
koinonia. Trata-se da união espiritual dos que se deixaram batizar na mesma fé
e que assumiram um projeto de vida comum.
Se antes da vinda do Espírito era possível a comunidade
permanecer reunida, agora com o derramamento abundante da graça do Espírito
será possível atingir o aperfeiçoamento da vida comunitária. O sonho de viver
como irmãos tornar-se-á possível exatamente por auxílio da graça derramada. As
disputas ou divisões podem ser superadas, pois “o amor foi derramado nos
corações” (Rm 5,5). A partilha não será uma utopia para quem se deixou tocar e
conduzir pelo Espírito. “Eles tinham tudo em comum” (At 4,32).
Quando a experiência do Espírito toca-nos profundamente o
mais íntimo do coração, somos convencidos de que a comunidade de irmãos (embora
ainda repletas de limitações e fragilidades humanas) é um verdadeiro refúgio e
fortaleza na luta contra tudo o que há de mal no mundo.
Nesse sentido, o Grupo de Oração é um lugar privilegiado
para a experiência fraterna! E para que essa realidade se concretize na vida
cotidiana do GO é preciso que cada participante saiba de sua importância, como
colaborador do Espírito no aperfeiçoamento da vida fraterna da comunidade.
A atitude de acolher não deve ser delegada a um grupo de
pessoas, apenas. Embora exista normalmente um ministério ou equipe de acolhida
em nossos Grupos de Oração, a função de acolher ao próximo é papel de todos.
Coordenadores, servos e participantes devem se deixar conquistar pela graça do
acolhimento, dom próprio do Espírito derramado na vida da comunidade.
A fraternidade não deve existir somente em função de uma
necessidade ou situação inusitada. Ela deve ser constitutiva na vida do Grupo
de Oração. Acolher com alegria e cuidar uns dos outros é um dos sinais
evidentes de Pentecostes.
Um testemunho
Participo de Grupo de Oração há quase 25 anos. Durante
esse tempo vivi e continuo vivendo muitas experiências que acabam por deixar
marcas profundas em minha história pessoal. Quantas curas miraculosas, vi
acontecer pela manifestação de legítimos carismas no meio da comunidade.
Quantas pessoas eu vi mudarem de vida depois de terem vivido a experiência de
batismo no Espírito Santo. Em minha vida mesmo, quantas mudanças percebi como
decorrentes dessa ação do Espírito! Louvo a Deus por tudo o que Ele fez em mim!
Preciso afirmar, entretanto, que as experiências que mais
marcaram minha vida e da minha família foram as experiências de vida fraterna
no seio do Grupo de Oração.
No ano de 1996, passamos por uma grande dificuldade que
atingiu nossa vida financeira. Morávamos de aluguel e recebemos comunicado de
despejo, pois estávamos entrando no terceiro mês de atraso no pagamento. Não
tínhamos condições de pagar aquele valor e não sabíamos como resolver aquela
situação. Eu e minha esposa buscávamos encontrar saídas para aquele episódio de
constrangimento e preocupação para com nossos filhos. Rezávamos e íamos com
nossos filhos ao Grupo de Oração. Eu e minha esposa fazíamos parte do
Ministério de Música e éramos responsáveis pela animação de louvor na reunião
de oração. Nossos problemas nunca nos impediram de assumirmos nosso ministério
com alegria.
Enquanto apresentávamos por meio da oração esta situação
difícil diante de Deus, alguns irmãos do Grupo de Oração ficaram sabendo de
nossa situação e naquele momento pude ver a consequência do batismo no Espírito
Santo acontecer de forma bastante concreta no testemunho comunitário do meu
Grupo de Oração. Fizeram uma coleta entre eles, sem que eu soubesse, e me
ajudaram a quitar meus aluguéis atrasados e contas de água e luz. Cuidaram de
minha família, como pastores que cuidam de suas ovelhas. Supriram nossas
necessidades de alimentos durante cerca de seis meses, até que eu tivesse melhorado
minhas condições. Até o material escolar de minhas crianças era providenciado
por Deus pela ação fraterna dos membros do Grupo de Oração. Não se tratava de
um mero assistencialismo. Percebíamos o amor com que realizavam aquelas ações
em nosso favor. Tudo estava acompanhado de profundos momentos de oração em
minha casa. A atenção que recebemos naquele momento de fragilidade que minha
família passava marcou-nos profundamente.
Entendi através daqueles momentos que o testemunho de
partilha e comunhão fraterna das primeiras comunidades cristãs não era uma
utopia. Eu vi em minha própria vida esta consequência de Pentecostes. Aquela
atitude de acolhida testemunhou e consolidou na comunidade o batismo no
Espírito Santo. Eram sinais da Cultura de Pentecostes!
Quantas pessoas podem estar participando de nossos Grupos
de Oração e que estão precisando ser acolhidas e cuidadas com mais
atenção? Seria justo celebrar durante uma hora e meia ao lado de uma pessoa que
se senta ao nosso lado na Igreja, cantando cantos alegres e ouvindo a Palavra
de Deus, sem sequer saber o nome e o lugar de onde aquela pessoa vem? E se ela
não voltar, quem perceberá sua ausência? Quantos dentre os próprios servos
vivem verdadeiras lutas sem poder contar com a ajuda dos irmãos de comunidade...
Devemos continuar com os olhos voltados para o céu,
esperando as respostas de Deus, mas precisamos manter também os braços abertos
e estendidos para acolher cada um daqueles que foram atraídos ao nosso Grupo de
Oração. A experiência de amor vivida em comunidade deixará marcas profundas na
vida de todos, sobretudo na vida daqueles que receberem esse amor fraterno.
Peçamos continuamente o batismo no Espírito Santo em
nossas reuniões de oração para que a comunidade, repleta dos dons e carismas do
Espírito, seja capaz de traduzir tudo isso num autêntico testemunho de vida
fraterna.
Fonte: RCC Brasil
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