O papa Bento XVI conduz semanalmente, durante a oração do
Ângelus (ou do Regina Coeli, durante o tempo pascal), um momento de catequese.
O tema da última semana, e que também guiará as próximas, é oração.
Queridos irmãos e irmãs:
Hoje eu gostaria de iniciar uma nova série de catequeses.
Após as catequeses sobre os Padres da Igreja, sobre os grandes teólogos da
Idade Média, sobre as grandes mulheres, eu gostaria de escolher agora um tema
muito importante para todos nós: o da oração, de maneira específica a cristã,
isto é, a oração que Jesus nos ensinou e que a Igreja continua nos ensinando. É
em Jesus, de fato, em quem o homem se capacita para se aproximar de Deus, com a
profundidade e a intimidade da relação de paternidade e de filiação. Junto aos
primeiros discípulos, com humilde confiança, nós nos dirigimos agora ao Mestre
e lhe pedimos: "Senhor, ensina-nos a orar" (Lucas 11, 1).
Nas próximas catequeses, aproximando-nos da Sagrada
Escritura, da grande tradição dos Padres da Igreja, dos mestres de
espiritualidade, da liturgia, queremos aprender a viver ainda mais intensamente
nossa relação com o Senhor, quase uma "Escola de Oração". Sabemos bem
que, de fato, a oração não se dá por garantida: é necessário aprender a rezar,
quase adquirindo novamente esta arte; inclusive os que estão muito avançados na
vida espiritual sentem sempre a necessidade de entrar na escola de Jesus para
aprender a rezar com autenticidade. Recebemos a primeira aula do Senhor através
do seu exemplo. Os Evangelhos descrevem Jesus em diálogo íntimo e constante com
o Pai: é uma comunhão profunda, daquele que veio ao mundo não para fazer a sua
vontade, mas a do Pai, que o enviou para a salvação do homem.
Nesta primeira catequese, como introdução, eu gostaria de
propor alguns exemplos de oração presentes nas culturas antigas, para revelar
como, praticamente sempre e em todos os lugares, os homens se dirigiram a Deus.
No Antigo Egito, por exemplo, um homem cego, pedindo à
divindade que lhe restituísse a vista, demonstra algo universalmente humano,
como a pura e simples oração de petição de quem se encontra no sofrimento. Este
homem reza: "Meu coração deseja ver-te... Tu, que me fizeste ver as
trevas, cria a luz para mim. Que eu te veja! Inclina a mim teu rosto
amado" (A. Barucq - F. Daumas, Hymnes et prières de l'Egypte ancienne,
Paris 1980, trad. it. en Preghiere dell'umanità, Brescia 1993, p. 30).
Nas religiões da Mesopotâmia, dominava um sentimento de
culpa arcano e paralisador, não carente de esperança da redenção e libertação
por parte de Deus.
Podemos apreciar assim esta súplica por parte de um crente
daqueles antigos cultos: "Ó Deus, que és indulgente inclusive com as
culpas mais graves, absolve o meu pecado... Olha, Senhor, teu servo esgotado e
sopra a tua brisa sobre ele: perdoa-o sem demora. Levanta teu severo castigo.
Dissolvidos estes laços,
permite que eu volte a respirar; rompe as minhas correntes,
liberta-me das minhas ataduras" (M.-J. Seux, Hymnes et prières aux Dieux
de Babylone et d'Assyrie, Paris 1976, trad. it. in Preghiere dell'umanità, op.
cit., p. 37). São expressões que demonstram como o homem, em sua busca de Deus,
intuiu, ainda que confusamente, por um lado a sua culpa, mas também aspectos de
misericórdia e de bondade divinas.
Dentro da religião pagã da Grécia Antiga, assiste-se a uma
evolução muito significava: as orações, ainda que continuem invocando ajuda
divina para obter o favor celestial em todas as circunstâncias da vida
cotidiana e para conseguir benefícios materiais, dirigem-se progressivamente a
petições mais desinteressadas, que permitem ao homem crente aprofundar em sua
relação com Deus e melhorar. Por exemplo, o grande filósofo Platão relata uma
oração do seu mestre Sócrates, considerado justamente um dos fundadores do
pensamento ocidental. Sócrates orava assim: "Fazei que eu seja belo por
dentro. Que eu considere rico quem é sábio e que possua de dinheiro somente aquilo
que o sábio possa tomar e levar. Não peço mais" (Obras I. Fedro 279c,
trad. it. P. Pucci, Bari 1966). Ele queria ser sobretudo belo por dentro e
sábio, não rico em dinheiro.
Naquelas obras-primas da literatura de todos os tempos, as
tragédias gregas, ainda hoje, depois de vinte e cinco séculos, lidas, meditadas
e representadas, há orações que expressam o desejo de conhecer a Deus e de
adorar sua majestade. Uma delas diz assim: "Sustento da terra, que sobre a
terra tens a tua sede, sejas quem for, é difícil de saber, Zeus, seja a tua lei
por natureza ou por pensamento dos mortais, a ti me dirijo: já que tu,
procedendo por caminhos silenciosos, guias as vicissitudes humanas segundo a
justiça" (Eurípides, Troiane, 884-886, trad. it. G. Mancini, en Preghiere
dell'umanità, op. Cit., p. 54). Deus continua sendo um pouco nebuloso e, no
entanto, o homem conhece esse Deus desconhecido e reza Àquele que guia os
caminhos da terra.
Também para os romanos, que constituíram aquele grande
império no qual nasceu e se difundiu, em grande parte, o cristianismo das
origens, a oração, ainda que se associasse a uma concepção utilitarista e
fundamentalmente ligada à petição da proteção divina sobre a comunidade civil,
abre-se, às vezes, a invocações admiráveis pelo fervor da piedade pessoal que
se transforma em louvor e agradecimento. Disso é testemunha um autor da África
romana do século II d.C., Apuleio. Em seus escritos, ele manifesta a
insatisfação dos seus contemporâneos com relação à religião tradicional e o
desejo de uma relação mais autêntica com Deus. Em sua obra-prima, intitulada
"As metamorfoses", um crente se dirige a uma divindade feminina com
estas palavras: "Tu és santa, tu és em todo tempo salvadora da espécie
humana; tu, em tua generosidade, ofereces sempre auxílio aos mortais; tu
ofereces aos miseráveis em aperto, o doce afeto de uma mãe. Nem dia nem noite,
nem momento algum, por mais breve que seja, passa sem que tu o cumules dos teus
benefícios" (Apuleio de Madaura, Metamorfosis IX, 25, trad. it. C. Annaratone,
en Preghiere dell'umanità, op. cit., p. 79).
No mesmo período, o imperador Marco Aurélio - que também era
um filósofo que pensava na condição humana - afirma a necessidade de rezar para
estabelecer uma cooperação frutífera entre ação divina e ação humana. Ele
escreve em suas "Lembranças": "Quem te disse que os deuses não
nos ajudam também no que depende de nós? Começa a rezar-lhes e verás"
(Dictionnaire de Spiritualitè XII/2, col. 2213). Este conselho do imperador
filósofo foi, efetivamente, colocado em prática por inúmeras gerações de homens
antes de Cristo, demonstrando que a vida humana sem a oração, que abre nossa
existência ao mistério de Deus, fica sem sentido e privada de referências. Em
toda oração, de fato, expressa-se sempre a verdade da criatura humana, que
experimenta, por um lado, fraqueza e indigência e, por isso, pede ajuda ao céu;
e por outro, está dotada de uma dignidade extraordinária, porque se prepara
para acolher a revelação divina, descobre-se capaz de entrar em comunhão com
Deus.
Queridos amigos, nestes exemplos de oração das diversas
épocas e civilizações, surge a consciência do ser humano de sua condição de
criatura e de dependência de Outro, que é superior a ele e fonte de todo bem. O
homem de todos os tempos reza porque não pode fazer outra coisa a não ser
perguntar-se qual é o sentido da sua existência, que permanece escuro e
desconcertante quando não é colocado em relação com o mistério de Deus e do seu
projeto sobre o mundo. A vida humana é uma mistura do bem e do mal, de sofrimento
imerecido e de alegria e beleza, que, espontânea e irresistivelmente, nos
conduz a pedir a Deus a luz e a força interior que nos socorra na terra e se
abra a uma esperança que vai além dos confins da morte. As religiões pagãs
continuam sendo uma invocação que da terra espera uma palavra do Céu. Um dos
últimos grandes filósofos pagãos, que viveu já em plena época cristã, Proclo de
Constantinopla, dá voz a esta espera, dizendo: "Insondável, ninguém te
contém. Tudo que pensamos te pertence. São teus nossos males e nossos bens; de
ti cada hálito nosso depende, ó Inefável, que nossas almas sentem presente,
elevando-te um hino de silêncio" (Hymni, ed. E. Vogt, Wiesbaden 1957, en
Preghiere dell'umanità, op. cit., p. 61).
Nos exemplos de oração das diversas culturas que
consideramos, podemos ver um testemunho da dimensão religiosa e do desejo de
Deus inscrito no coração de todos os homens, que se realiza completamente e
chega à sua plena expressão no Antigo e Novo Testamentos. A Revelação, de fato,
purifica e leva à sua plenitude o original anseio do homem de Deus,
oferecendo-lhe, na oração, a possibilidade de uma relação mais profunda com o
Pai celeste.
No início do nosso caminho na Escola de Oração, queremos
agora pedir ao Senhor que ilumine nossa mente e nosso coração, para que a
relação com Ele, na oração, seja sempre mais intensa, com carinho constante. E
novamente lhe pedimos: "Senhor, ensina-nos a orar" (Lucas 11,1).
Obrigado!
No final da audiência, o Papa cumprimentou os peregrinos em
vários idiomas. Em português, disse:
Queridos irmãos e irmãs:
Nas próximas catequeses, como se fossem uma "Escola da
Oração", queremos aprender a viver mais intensamente o nosso
relacionamento com o Senhor, abordando a realidade da oração na Sagrada
Escritura, nos Padres da Igreja, nos mestres de espiritualidade e liturgia. De
fato, até as pessoas mais adiantadas na vida espiritual sentem necessidade
incessante de voltar à escola de Jesus. Na verdade, é em Jesus que o ser humano
se torna capaz de abeirar-se de Deus com a profundidade e a intimidade próprias
duma relação entre pai e filho.
Nesta relação, encontra a sua forma perfeita e definitiva o
desejo de Deus inscrito no coração de cada homem e mulher. Dão testemunho deste
desejo universal as variadas orações presentes nas antigas culturas do Egito,
Mesopotâmia, Grécia e Roma. Nestes exemplos de oração, ressalta a consciência
que o ser humano tem da sua condição de criatura e da sua dependência de Outrem
que está acima dele e é a fonte de todo o seu bem.
Uma cordial saudação para todos os peregrinos de língua
portuguesa, que aqui vieram movidos pelo desejo de afirmar e consolidar a sua
fé e adesão a Cristo: o Senhor vos encha de alegria e o seu Espírito ilumine as
decisões da vossa vida para realizardes fielmente o projeto de Deus a vosso
respeito. Acompanha-vos a minha oração e Bênção.
Fonte: Zenit
Nenhum comentário:
Postar um comentário