A ORAÇÃO DE ELIAS E O FOGO DE DEUS
Apresentamos, a seguir, a catequese dirigida pelo Papa aos
grupos de peregrinos do mundo inteiro, reunidos na Praça de São Pedro para a
audiência geral. O pronunciamento faz parte da série sobre orações.
Queridos irmãos e irmãs
Na história religiosa do antigo Israel, os profetas tiveram
grande relevância, com seus ensinamentos e sua pregação. Entre eles, surge a
figura de Elias, suscitado por Deus para levar o povo à conversão. Seu nome
significa “o Senhor é meu Deus” e é de acordo com este nome que se desenvolve
toda a sua vida, consagrada inteiramente a provocar no povo o reconhecimento do
Senhor como único Deus. De Elias o Eclesiástico diz: “O profeta Elias surgiu
como o fogo, e sua palavra queimava como tocha” (Eclo 48,1). Com esta chama,
Israel volta a encontrar seu caminho rumo a Deus. Em seu ministério, Elias
reza: invoca o Senhor para que devolva a vida ao filho de uma viúva que o havia
hospedado (cf. 1Re 17,17-24), grita a Deus seu cansaço e sua angústia, enquanto
foge pelo deserto, jurado de morte pela rainha Jezabel (cf. 1Re 19,1-4), mas
sobretudo no monte Carmelo, onde se mostra todo o seu poder de intercessor,
quando, diante de todo Israel, reza ao Senhor para que se manifeste e converta
o coração do povo. É o episódio narrado no capítulo 18 do Primeiro Livro dos
Reis, no qual hoje nos deteremos.
Encontramo-nos no reino do Norte, no século IX antes de
Cristo, em tempos do rei Ajab, em um momento em
que Israel havia se
criado uma situação de aberto sincretismo. Junto ao Senhor, o povo adorava
Baal, o ídolo tranquilizador de quem se acreditava que vinha o dom da chuva e a
quem, por isso, se atribuía o poder de dar fertilidade aos campos e vida aos
homens e às bestas. Ainda pretendendo seguir o Senhor, Deus invisível e
misterioso, o povo buscava segurança também em um deus compreensível e
previsível, de quem acreditava poder obter fecundidade e prosperidade em troca
de sacrifícios. Israel estava cedendo à sedução da idolatria, a contínua
tentação do crente, figurando-se poder “servir a dois senhores” (cf. Mt 6,24;
Lc 16,13) e de facilitar os caminhos inescrutáveis da fé no Onipotente,
colocando sua confiança também em um deus impotente feito por homens.
Precisamente para desmascarar a necessidade enganosa dessa
atitude, Elias reúne o povo de Israel no monte Carmelo e o coloca diante da
necessidade de fazer uma escolha: “Se o Senhor é o verdadeiro Deus, segui-o;
mas, se é Baal, segui a ele” (1Re 18, 21). E o profeta, portador do amor de
Deus, não deixa sua gente sozinha diante desta escolha, mas o ajuda, indicando
o sinal que revelará a verdade: tanto ele como os profetas de Baal prepararão
um sacrifício e rezarão, e o verdadeiro Deus se manifestará respondendo com o
fogo que consumirá a oferenda. Começa assim a confrontação entre o profeta
Elias e os seguidores de Baal, que na verdade é entre o Senhor de Israel, Deus
de salvação e de vida, e o ídolo mudo e sem consistência, que não pode fazer
nada, nem para bem nem para mal (cf. Jr 10,5). E começa também a confrontação
entre duas formas completamente diferentes de dirigir-se a Deus e de rezar.
Os profetas de Baal, de fato, gritam, agitam-se, dançam,
pulam, entram em um estado de exaltação, chegando a fazer-se incisões no corpo,
“com espadas e lanças, até o sangue escorrer” (1Re 18,28). Usam a si mesmos
como recurso para interpelar o seu deus, confiando em suas próprias capacidades
de provocar sua resposta. Revela-se assim a realidade enganosa do ídolo: este
está pensado pelo homem como algo de que se pode dispor, que se pode gestionar
com as próprias forças, a que se pode aceder a partir de si mesmos e da própria
força vital. A adoração do ídolo, ao invés de abrir o coração humano à
Alteridade, a uma relação libertadora que permita sair do espaço estreito do
próprio egoísmo para aceder a dimensões de amor e de dom mútuo, fecha a pessoa
no círculo exclusivo e desesperador da busca de si mesma. E o engano é tal que,
adorando o ídolo, o homem se vê obrigado a ações extremas, na tentativa
ilusória de submetê-lo à sua própria vontade. Por isso, os profetas de Baal
chegam até a causar-se dano, a retalhar-se, em um gesto dramaticamente irônico:
para obter uma resposta, um sinal de vida do seu deus, eles se cobrem de
sangue, recobrindo-se simbolicamente de morte.
Muito diferente é a atitude de oração de Elias. Ele pede ao
povo que se aproxime, envolvendo-o assim em sua ação e em sua súplica. O
objetivo do desafio dirigido por ele aos profetas de Baal era o de voltar a
levar a Deus o povo que se havia extraviado seguindo os ídolos; por isso, quer
que Israel se una a ele, convertendo-se em partícipe e protagonista da sua
oração e do que está acontecendo. Depois, o profeta ergue um altar, utilizando,
como recita o texto, “doze pedras, segundo o número das doze tribos dos filhos
de Jacó, a quem Deus tinha dito: 'Teu nome será Israel'” (v. 31). Essas pedras
representam todo Israel e são a memória tangível da história de eleição, de
predileção e de salvação de que o povo foi objeto. O gesto litúrgico de Elias
tem uma repercussão decisiva; o altar é o lugar sagrado que indica a presença
do Senhor, mas essas pedras que o compõem representam o povo, que agora, por
mediação do profeta, está colocado simbolicamente diante de Deus, converte-se
em “altar”, lugar de oferenda e de sacrifício.
Mas é necessário que o símbolo se converta em realidade, que
Israel reconheça o verdadeiro Deus e volte a encontrar sua própria identidade
de povo do Senhor. Por isso, Elias pede a Deus que se manifeste, e essas doze
pedras, que deveriam recordar a Israel sua verdade, servem também para recordar
ao Senhor sua fidelidade, à qual o profeta apela na oração. As palavras da sua
invocação são densas em significado e em fé: “Senhor, Deus de Abraão, de Isaac
e de Israel, mostra hoje que tu és Deus em Israel, e que eu sou teu servo e que
é por ordem tua que fiz estas coisas. Ouve-me, Senhor, ouve-me, para que este
povo reconheça que tu, Senhor, és Deus, e que és tu que convertes o seu
coração!” (v. 36-37; cf. Gn 32, 36-37). Elias se dirige ao Senhor chamando-o de
Deus dos Pais, fazendo memória implícita, assim, das promessas divinas e da
história de eleição e de aliança que uniu indissoluvelmente o Senhor e o seu
povo. O envolvimento de Deus na história dos homens é tal, que seu Nome já está
inseparavelmente unido ao dos Patriarcas, e o profeta pronuncia esse Nome santo
para que Deus recorde e se mostre fiel, mas também para que Israel se sinta
chamado pelo seu nome e volte a encontrar sua fidelidade. O título divino
pronunciado por Elias parece, de fato, um pouco surpreendente. Ao invés de usar
a fórmula habitual, “Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó”, ele utiliza um
apelativo menos comum: “Deus de Abraão, de Isaac e de Israel”. A substituição
do nome “Jacó” pelo de “Israel” evoca a luta de Jacó no vau de Jaboc, com a mudança
de nome a que o narrador faz referência explícita (cf. Gn 32,31) e de que falei
em uma das catequeses passadas. Esta substituição adquire um significado a mais
dentro da invocação de Elias. O profeta está rezando pelo povo do reino do
Norte, que se chamava precisamente Israel, diferente de Judá, que indicava o
reino do Sul. E agora, este povo, que parece ter esquecido sua própria origem e
sua própria relação privilegiada com o Senhor, sente que o chamam pelo seu
nome, enquanto se pronuncia o Nome de Deus, Deus do Patriarca e Deus do Povo:
“Senhor, Deus (…) de Israel, mostra hoje que tu és Deus em Israel”.
O povo por quem Elias reza é colocado diante da sua própria
verdade e o profeta pede que também a verdade do Senhor se manifeste e que Ele
intervenha para converter Israel, afastando-o do engano da idolatria e
levando-o, assim, à salvação. Sua petição é que o povo finalmente saiba,
conheça em plenitude quem é verdadeiramente seu Deus, e faça a escolha decisiva
de seguir somente Ele, o verdadeiro Deus. Porque somente assim Deus é
reconhecido pelo que é, Absoluto e Transcendente, sem a possibilidade de
colocá-lo junto a outros deuses, que O negariam como absoluto, relativizando-o.
Esta é a fé que faz de Israel o povo de Deus; é a fé proclamada no bem conhecido
texto do Shema‘ Israel: “Ouve, Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor.
Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com
todas as tuas forças” (Dt 6,4-5). Ao absoluto de Deus, o crente deve responder
com um amor absoluto, total, que comprometa toda a sua vida, suas forças, seu
coração. E é precisamente para o coração do seu povo que o profeta, com sua
oração, está implorando conversão: “Que este povo reconheça que tu, Senhor, és
Deus, e que és tu que convertes o seu coração” (1Re 18,37). Elias, com sua
intercessão, pede a Deus o que o próprio Deus deseja fazer, manifestar-se em
toda a sua misericórdia, fiel à sua própria realidade de Senhor da vida que
perdoa, converte, transforma.
E isso é o que acontece: “Caiu o fogo do Senhor, que devorou
o holocausto, a lenha, as pedras e a poeira, e secou a água que estava no rego.
Vendo isto, o povo todo prostrou-se com o rosto em terra, exclamando: “É o
Senhor que é Deus, é o Senhor que é Deus!'” (v. 38-39).
O fogo, este elemento ao mesmo tempo necessário e terrível,
ligado às manifestações divinas da sarça ardente e do Sinai, agora serve para
mostrar o amor de Deus que responde à oração e se revela ao seu povo. Baal, o
deus mudo e impotente, não havia respondido às invocações dos seus profetas; o
Senhor, no entanto, responde, de forma irrevocável, não só queimando o
holocausto, mas inclusive secando toda a água que havia sido derramada ao redor
do altar. Israel já não pode duvidar; a misericórdia divina saiu ao encontro da
sua fraqueza, das suas dúvidas, da sua falta de fé. Agora, Baal, o ídolo vão,
está vencido, e o povo, que parecia perdido, encontrou o caminho da verdade e
se reencontrou.
Queridos irmãos e irmãs, o que esta história do passado nos
diz? Qual é o presente desta história? Antes de tudo, está em questão a
prioridade do primeiro mandamento: adorar somente a Deus. Onde Deus desaparece,
o homem cai na escravidão de idolatrias, como mostraram, em nossa época, os
regimes totalitários, e como mostram também diversas formas de niilismo, que
tornam o homem dependente de ídolos, de idolatrias, o escravizam. Segundo, o
objetivo primário da oração é a conversão: o fogo de Deus que transforma nosso
coração e nos torna capazes de vê-Lo e, assim, de viver segundo Deus e de viver
para o outro. E o terceiro ponto. Os Padres nos dizem que também esta história
de um profeta será profética se – afirmam – for sombra do futuro, do futuro
Cristo; é um passo no caminho rumo a Cristo. E nos dizem que aqui vemos o
verdadeiro fogo de Deus: o amor que guia o Senhor até a cruz, até o dom total
de si. A verdadeira adoração de Deus, então, é doar-se a Deus e aos homens, a
verdadeira adoração é o amor. E a verdadeira adoração de Deus não destrói, mas
renova, transforma. Certamente, o fogo de Deus, o fogo do amor queima,
transforma, purifica, mas precisamente assim não destrói, e sim cria a verdade
do nosso ser, recria nosso coração. E assim, realmente vivos pela graça do fogo
do Espírito Santo, do amor de Deus, somos adoradores em espírito e verdade.
No final da audiência, o Papa cumprimentou os peregrinos em
vários idiomas. Em português, disse:
Queridos irmãos e irmãs
Na história religiosa de Israel, sobressai a figura de
Elias, cujo nome significa: “O meu Deus é o Senhor”. E, com o nome concorda a
sua vida, toda ela votada a provocar no povo de Israel - que se extraviara
atrás dos ídolos – o regresso ao Senhor seu Deus. Um dia reuniu o povo no Monte
Carmelo, desafiando-o a escolher entre o Deus verdadeiro e os ídolos. Tanto
ele, o profeta do Senhor, como os profetas de Baal vão preparar um sacrifício
sem atear o fogo; depois cada um invoca o seu Deus. Aquele dos dois que
responder, enviando o fogo para queimar o sacrifício, será o verdadeiro Deus.
Elias rezou assim: “Respondei-me, Senhor, para que este povo reconheça que sois
o verdadeiro Deus e converteis os seus corações”. Com a sua súplica, pede a
Deus aquilo que o próprio Deus deseja fazer: manifestar-Se em toda a sua
misericórdia, fiel à própria realidade de Senhor da vida que perdoa e converte.
E o Senhor responde, enviando o fogo que consome a vítima do sacrifício. E o
povo reencontrou a estrada da verdade, reencontrou-se a si mesmo: “O Senhor é o
nosso Deus”.
Amados peregrinos de língua portuguesa, uma saudação amiga
de boas-vindas para todos, com menção especial para os fiéis das paróquias de
Nossa Senhora da Conceição, em Angola, São Sebastião de Campo Grande, no
Brasil, e São Julião da Barra, em Portugal. Possa esta peregrinação ao túmulo dos
Apóstolos ajudar-vos na vida a cooperar plenamente com os desígnios de salvação
que Deus tem sobre a humanidade. Como estímulo e penhor de graças, dou-vos a
minha Bênção.
Fonte: Zenit
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