APRENDENDO A ORAR COM OS SALMOS
Apresentamos, a seguir, a catequese dirigida pelo Papa Bento
XVI aos grupos de peregrinos do mundo inteiro, reunidos para a audiência geral.
Nas catequeses anteriores, vimos algumas figuras do Antigo
Testamento, particularmente significativas, em
nossa reflexão sobre a oração.
Falei sobre Abraão, que intercede pelas cidades estrangeiras; sobre Jacó, que,
na luta noturna, recebe a bênção; sobre Moisés, que invoca o perdão sobre o
povo; e sobre Elias, que reza pela conversão de Israel. Com a catequese de
hoje, eu gostaria de iniciar uma nova etapa do caminho: ao invés de comentar
episódios particulares de personagens em oração, entraremos no “livro da
oração” por excelência, o Livro dos Salmos. Nas próximas catequeses, leremos e
meditaremos alguns dos salmos mais belos e mais apreciados pela tradição orante
da Igreja. Hoje, eu gostaria de introduzir esta etapa falando do Livro dos
Salmos em seu conjunto.
O Saltério se apresenta como um “formulário” de orações, uma
seleção de 150 salmos que a tradição bíblica oferece ao povo dos crentes para
que se converta em sua (nossa) oração, nosso modo de dirigir-nos a Deus e de
relacionar-nos com Ele. Neste livro, encontra expressão toda a experiência
humana, com suas múltiplas facetas, e todo o leque dos sentimentos que
acompanham a existência do homem. Nos Salmos, entrelaçam-se e se exprimem
alegria e sofrimento, desejo de Deus e percepção da própria indignidade,
felicidade e sentido de abandono, confiança em Deus e dolorosa solidão,
plenitude de vida e medo de morrer. Toda a realidade do crente conflui nestas
orações, que o povo de Israel primeiro e a Igreja depois assumiram como
meditação privilegiada da relação com o único Deus e resposta adequada em sua
revelação na história. Quanto à oração, os salmos são a manifestação do ânimo e
da fé, nos quais se pode reconhecer e nos quais se comunica esta experiência de
particular proximidade de Deus, à qual todos os homens estão chamados. E é toda
a complexidade da existência humana que se concentra na complexidade das
diversas formas
literárias dos diferentes salmos: hinos, lamentações, súplicas
individuais e coletivas, cantos de agradecimento, salmos penitenciais e outros
gêneros que podem ser encontrados nestas composições poéticas.
Apesar desta multiplicidade expressiva, podem estar
identificados dois grandes âmbitos que sintetizam a oração do Saltério: a
súplica, conectada com o lamento, e o louvor, duas dimensões correlacionadas e
quase inseparáveis. Porque a súplica está motivada pela certeza de que Deus
responderá, e este gesto abre ao louvor e à ação de graças; e o louvor e o
agradecimento surgem da experiência de uma salvação recebida, que supõe uma
necessidade de ajuda que a súplica expressa. Na súplica, o salmista se lamenta
e descreve sua situação de angústia, de perigo, de desolação ou, como nos
salmos penitenciais, confessa a culpa, o pecado, pedindo para ser perdoado.
Ele expõe ao Senhor seu estado de necessidade, na certeza de
ser escutado, e isso implica um reconhecimento de Deus como bom, desejoso do
bem e “amante da vida” (cf. Sb 11, 26), preparado para ajudar, salvar, perdoar.
Assim, por exemplo, reza o salmista no salmo 31: “Em ti, Senhor, me refugiei,
jamais eu fique desiludido. (…) Livra-me do laço que me armaram, porque és
minha força” (v. 2.5). Já no lamento, portanto, pode surgir algo do louvor, que
se preanuncia na esperança da intervenção divina e se torna depois explícito
quando a salvação divina se converte em realidade. De modo
análogo, nos salmos de agradecimento e de louvor, recordando o dom recebido ou
contemplando a grandeza da misericórdia de Deus, reconhece-se também a própria
pequenez e a necessidade de ser salvos, o que é a base da súplica. Assim,
confessa-se a Deus a própria condição de criatura inevitavelmente marcada pela
morte, ainda que portadora de um desejo radical de vida. Por isso, o salmista
exclama, no salmo 86: “Eu te darei graças, Senhor, meu Deus, de todo o coração,
e darei glória a teu nome sempre, porque é grande para comigo o teu amor; do
profundo dos infernos me tiraste” (v.12-13). De tal modo, na oração dos salmos,
a súplica e o louvor se entrelaçam e se fundem em um único canto que celebra a
graça eterna do Senhor que se inclina diante da nossa fragilidade. Exatamente para
permitir ao povo dos crentes que se unam neste canto, o Livro dos Salmos foi
dado a Israel e à Igreja. Os salmos, de fato, ensinam a rezar. Neles, a Palavra
de Deus se converte em palavra de oração – e são as palavras do salmista
inspirado –, que se torna também palavra do orante que reza os salmos. É esta a
beleza e a particularidade deste livro bíblico: as orações contidas nele, ao
contrário de outras orações que encontramos na Sagrada Escritura, não se
inserem em uma trama narrativa que especifica o sentido e a função. Os salmos
são oferecidos ao crente como texto de oração, que tem como único fim o de
converter-se na oração de quem o assume e com eles se dirige a Deus. Porque são
Palavra de Deus, quem reza os salmos fala a Deus com as mesmas palavras que
Deus nos deu; dirige-se a Ele com as palavras que Ele mesmo nos dá. Assim,
rezando os salmos, aprendemos a rezar. Eles são uma escola de oração.
Algo análogo acontece quando a criança começa a falar:
aprende a expressar suas próprias sensações, emoções, necessidades, com
palavras que não lhe pertencem de modo inato, mas que aprende dos seus pais e
dos que vivem com ela. O que a criança quer expressar é sua própria vivência,
mas o meio expressivo é de outros; e ela, pouco a pouco, se apropria desse meio;
as palavras recebidas dos seus pais se tornam suas palavras e, através das
palavras, aprende também uma forma de pensar e de sentir, acede a um mundo
inteiro de conceitos e cresce com eles, relaciona-se com a realidade, com os
homens e com Deus. A língua dos seus pais finalmente se converte em sua língua;
fala com palavras recebidas de outros que, nesse momento, se converteram em
suas palavras. Assim acontece com a oração dos salmos. Eles nos são dados para
que aprendamos a dirigir-nos a Deus, a comunicar-nos com Ele, a falar-lhe de
nós com as suas palavras, a encontrar uma linguagem para o encontro com Deus.
E, por meio dessas palavras, será possível também conhecer e acolher os
critérios da sua atuação, aproximar-se do mistério dos seus pensamentos e dos
seus caminhos (cf. Is 55,8-9) e, assim, crescer cada vez mais na fé e no amor.
Como nossas palavras não são somente palavras, mas nos ensinam um mundo real e
conceptual, assim também estas orações nos mostram o coração de Deus, razão
pela qual não só podemos falar com Deus, senão que podemos aprender quem é Deus
e, aprendendo a falar com Ele, aprendemos a ser homens, a ser nós mesmos.
Para este propósito, parece significativo o título que a
tradução hebraica deu ao Saltério. Este é Tehillîm, um termo que quer dizer
“louvor”; dessa raiz verbal vem a expressão “Halleluyah”, ou seja, literalmente
“Louvai o Senhor”. Este livro de orações, portanto, ainda que seja multiforme e
complexo, com seus diversos gêneros literários e com suas articulações entre
louvor e súplica, é um livro de louvor, que nos ensina a agradecer, a celebrar
a grandeza do dom de Deus, a reconhecer a beleza das suas obras e a glorificar
seu Nome Santo. É esta a resposta mais adequada diante da manifestação do
Senhor e da experiência da sua bondade. Ensinando-nos a rezar, os salmos nos
ensinam que, também na desolação, na dor, a presença de Deus permanece, é fonte
de maravilha e de consolo; podemos chorar, suplicar, interceder, lamentar-nos,
mas com a consciência de que estamos caminhando rumo à luz, onde o louvor
poderá ser definitivo. Como nos ensina o salmo 36: “Em ti está a fonte da vida
e à tua luz vemos a luz” (Sl 36,10). Mas, além deste título geral do livro, a
tradição hebraica colocou em muitos salmos títulos específicos, atribuindo-os,
em sua maioria, ao rei Davi. Figura de notável espessor humano e teológico,
Davi é um personagem complexo, que atravessou as mais diversas experiências
fundamentais da vida. Jovem pastor do rebanho paterno, passando por alternadas
e às vezes dramáticas experiências, ele se converte em rei de Israel, pastor do
povo de Deus. Homem de paz, combateu muitas guerras; incansável e tenaz
buscador de Deus, traiu o amor e isso é uma característica sua: sempre foi um
buscador de Deus, ainda que tenha pecado gravemente muitas vezes; humilde e
penitente, acolheu o perdão divino, também o castigo divino, e aceitou um
destino marcado pela dor. Davi foi um rei – com todas as suas fraquezas –
“segundo o coração de Deus” (cf. 1 Sam 13,14), ou seja, um orante apaixonado, um
homem que sabia o que quer dizer suplicar e louvar. A relação dos salmos com
este insigne rei de Israel é, portanto, importante, porque ele é uma figura
messiânica, ungido pelo Senhor, alguém que, de alguma forma, antecipou o
mistério de Cristo.
Igualmente importantes e significativos são a forma e a
frequência com que as palavras dos salmos são retomadas no Novo Testamento,
assumindo e destacando o valor profético sugerido pela relação do Saltério com
a figura messiânica de Davi. No Senhor Jesus, que em sua vida terrena rezou com
os salmos, eles encontram seu definitivo cumprimento e revelam seu sentido mais
profundo e pleno. As orações do Saltério, com as quais se fala a Deus, nos
falam d'Ele, nos falam do Filho, imagem do Deus invisível (Col 1,15), que nos
revela completamente o rosto do Pai. O cristão, portanto, rezando os salmos,
reza ao Pai em Cristo, assumindo estes cantos em uma perspectiva nova, que tem
no mistério pascal sua última chave interpretativa. O horizonte do orante se
abre, assim, a realidades inesperadas, todo salmo tem uma luz nova em Cristo e
o Saltério pode brilhar em toda a sua infinita riqueza.
Irmãos e irmãs queridíssimos, tenhamos este livro santo nas
mãos; deixemo-nos ensinar por Deus para dirigir-nos a Ele; façamos do Saltério
um guia que nos ajude e nos acompanhe cotidianamente no caminho da oração. E
peçamos, também nós, como discípulos de Jesus: “Senhor, ensina-nos a orar” (Lc
11,1), abrindo o coração e acolhendo a oração do Mestre, em quem todas as
orações chegam à sua plenitude. Assim, sendo filhos no Filho, poderemos falar a
Deus chamando-o de “Pai nosso”.
No final da audiência, o Papa cumprimentou os peregrinos em
vários idiomas. Em português, disse:
Queridos irmãos e irmãs
Hoje iniciamos uma nova etapa no percurso das catequeses
sobre a oração, ao entrar no “livro de oração” por excelência: o livro dos
Salmos. Composto por cento e cinqüenta salmos, segundo diversas formas
literárias, o Saltério se apresenta como uma manifestação das múltiplas
experiências humanas que se fazem oração. E, dentre essas formas expressivas,
há dois âmbitos que sintetizam toda a oração do saltério: a súplica e o louvor.
Trata-se de duas dimensões correlacionadas e inseparáveis, pois toda a súplica
é animada pela certeza de que Deus responderá, abrindo-se assim ao louvor; por
sua vez o louvor brota da experiência da salvação recebida, que supõe a
necessidade de ajuda, expressa pela súplica. Desta forma, os salmos ensinam a
rezar, de modo análogo ao que acontece com a criança que aprende a falar, assimilando
a língua de seus pais para poder expressar as suas sensações e emoções. Nos
salmos, a própria Palavra de Deus se torna palavra de oração. Por fim, é com
Jesus que os salmos encontram o seu cumprimento definitivo e o seu sentido mais
pleno e profundo. De fato, o cristão recitando os salmos, reza ao Pai em Cristo
e com Cristo.
Saúdo todos os peregrinos de língua portuguesa, em
particular os brasileiros de Curitiba e os jovens portugueses que se
organizaram sob o lema “Eu acredito” para unir seus coetâneos à volta do
Sucessor de Pedro. Continuai a fazer da oração um meio para crescerdes nesta
união. Cada dia, pedi a Jesus como os seus primeiros discípulos: “Senhor,
ensinai-nos a rezar”! Que Deus vos abençoe!
Fonte: Zenit
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