PERFEIÇÃO, ASPIRAÇÃO E META DE TODA A VIDA CRISTÃ
O papa Bento XVI vem apresentando, nas últimas semanas, uma
série de catequeses sobre os doutores da Igreja. O portal RCCBRASIL, em
parceria com a agência de notícias católica Zenit, apresentará os textos do
Santo Padre. A primeira delas é dedicada à Santa Teresa d’Ávila.
Queridos irmãos e irmãs:
Ao longo das catequeses que eu quis dedicar aos Padres da
Igreja e a grandes figuras de teólogos e mulheres da Idade Média, pude falar
sobre alguns santos e santas que foram proclamados Doutores da Igreja por sua
eminente doutrina. Hoje, eu gostaria de começar com uma breve série de
encontros para completar a apresentação dos Doutores da Igreja.
só Deus não muda. A paciência tudo alcança. Quem tem a Deus, nada lhe falta. Só Deus basta!". Ficando órfã aos 12 anos, pediu à Virgem Santíssima que fosse sua mãe (cf. Vida 1,7).
Se, na adolescência, a leitura de livros profanos a levou às
distrações da vida mundana, a experiência como aluna das freiras agostinianas
de Santa Maria das Graças, de Ávila, e a leitura de livros espirituais, em sua
maioria clássicos da espiritualidade franciscana, ensinaram-lhe o recolhimento
e a oração. Aos 20 anos de idade, entrou para o convento carmelita da
Encarnação, sempre em Ávila. Três anos depois, ela ficou gravemente doente,
tanto que permaneceu por quatro dias em coma, aparentemente morta (cf. Vida 5,
9). Também na luta contra suas próprias doenças, a santa vê o combate contra as
fraquezas e resistências ao chamado de Deus. Escreve: "Eu desejava viver
porque compreendia bem que não estava vivendo, mas estava lutando com uma
sombra de morte, e não tinha ninguém para me dar vida, e nem eu poderia
tomá-la, e Aquele que podia dá-la a mim, estava certo em não me socorrer, dado
que tantas vezes me voltei contra Ele, e eu o havia abandonado" (Vida 8,
2).
Em 1543, ela perdeu a proximidade da sua família: o pai
morre e todos os seus irmãos, um após o outro, migram para a América. Na
Quaresma de 1554, aos 39 anos, Teresa chega o topo de sua luta contra suas
próprias fraquezas. A descoberta fortuita de "um Cristo muito ferido"
marcou profundamente a sua vida (cf. Vida 9). A santa, que naquele momento
sente profunda consonância com o Santo Agostinho das "Confissões",
descreve assim a jornada decisiva da sua experiência mística: "Aconteceu
que, de repente, experimentei um sentimento da presença de Deus, que não havia
como duvidar de que estivesse dentro de mim ou de que eu estivesse toda
absorvida Nele" (Vida 10, 1).
Paralelamente ao amadurecimento da sua própria
interioridade, a santa começa a desenvolver, de forma concreta, o ideal de
reforma da Ordem Carmelita: em 1562, funda, em Ávila, com o apoio do bispo da
cidade, Dom Álvaro de Mendoza, o primeiro Carmelo reformado, e logo depois
recebe também a aprovação do superior geral da Ordem, Giovanni Battista Rossi.
Nos anos seguintes, continuou a fundação de novos Carmelos, um total de
dezessete. Foi fundamental seu encontro com São João da Cruz, com quem, em
1568, constituiu, em Duruelo, perto de Ávila, o primeiro convento das Carmelitas
Descalças. Em 1580, recebe de Roma a ereção a Província Autônoma para seus
Carmelos reformados, ponto de partida da Ordem Religiosa dos Carmelitas
Descalços. Teresa termina sua vida terrena justamente enquanto está se ocupando
com a fundação.
Em 1582, de fato, tendo criado o Carmelo de Burgos e
enquanto fazia a viagem de volta a Ávila, ela morreu, na noite de 15 de
outubro, em Alba de Tormes, repetindo humildemente duas frases: "No final,
morro como filha da Igreja" e "Chegou a hora, Esposo meu, de nos
encontrarmos". Uma existência consumada dentro da Espanha, mas empenhada
por toda a Igreja. Beatificada pelo Papa Paulo V, em 1614, e canonizada por
Gregório XV, em 1622, foi proclamada "Doutora da Igreja" pelo Servo
de Deus Paulo VI, em 1970. Teresa de Jesus não tinha formação acadêmica, mas
sempre entesourou ensinamentos de teólogos, literatos e mestres espirituais.
Como escritora, sempre se ateve ao que tinha experimentado pessoalmente ou
visto na experiência de outros (cf. Prefácio do "Caminho de
Perfeição"), ou seja, a partir da experiência. Teresa consegue tecer
relações de amizade espiritual com muitos santos, especialmente com São João da
Cruz. Ao mesmo tempo, é alimentada com a leitura dos Padres da Igreja, São Jerônimo,
São Gregório Magno, Santo Agostinho.
Entre suas principais obras, deve ser lembrada, acima de
tudo, sua autobiografia, intitulada "Livro da Vida", que ela chama de
"Livro das Misericórdias do Senhor". Escrito no Carmelo de Ávila, em
1565, conta o percurso biográfico e espiritual, por escrito, como diz a própria
Teresa, para submeter a sua alma ao discernimento do "Mestre dos
espirituais", São João de Ávila. O objetivo é manifestar a presença e a
ação de um Deus misericordioso em sua vida: Para isso, a obra muitas vezes
inclui o diálogo de oração com o Senhor. É uma leitura fascinante, porque a
santa não apenas narra, mas mostra reviver a profunda experiência do seu amor
com Deus. Em 1566, Teresa escreveu o "Caminho da perfeição", chamado
por ela de "Admoestações e conselhos" que dava às suas religiosas. As
destinatárias são as doze noviças do Carmelo de São José, em Ávila. Teresa lhes
propõe um intenso programa de vida contemplativa ao serviço da Igreja, em cuja
base estão as virtudes evangélicas e a oração. Entre os trechos mais
importantes, destaca-se o comentário sobre o Pai Nosso, modelo de oração. A
obra mística mais famosa de Santa Teresa é o "Castelo Interior",
escrito em 1577, em plena maturidade. É uma releitura do seu próprio caminho de
vida espiritual e, ao mesmo tempo, uma codificação do possível desenvolvimento
da vida cristã rumo à sua plenitude, a santidade, sob a ação do Espírito Santo.
Teresa refere-se à estrutura de um castelo com sete "moradas", como
imagens da interioridade do homem, introduzindo, ao mesmo tempo, o símbolo do
bicho da seda que renasce em uma borboleta, para expressar a passagem do
natural ao sobrenatural. A santa se inspira na Sagrada Escritura, especialmente
no "Cântico dos Cânticos", para o símbolo final dos "dois
esposos", que permite descrever, na sétima "morada", o ápice da
vida cristã em seus quatro aspectos: trinitário, cristológico, antropológico e
eclesial. À sua atividade fundadora dos Carmelos reformados, Teresa dedica o
"Livro das fundações", escrito entre 1573 e 1582, no qual fala da
vida do nascente grupo religioso. Como na autobiografia, a história é dedicada
principalmente a evidenciar a ação de Deus na fundação dos novos mosteiros.
Não é fácil resumir em poucas palavras a profunda e complexa
espiritualidade teresiana. Podemos citar alguns pontos-chave. Em primeiro
lugar, Santa Teresa propõe as virtudes evangélicas como base da vida cristã e
humana: em particular, o desapego dos bens ou a pobreza evangélica (e isso diz
respeito a todos nós); o amor de uns aos outros como elemento essencial da vida
comunitária e social; a humildade e o amor à verdade; a determinação como
resultado da audácia cristã; a esperança teologal, que descreve como sede de
água viva. Sem esquecer das virtudes humanas: afabilidade, veracidade, modéstia,
cortesia, alegria, cultura. Em segundo lugar, Santa Teresa propõe uma profunda
sintonia com os grandes personagens bíblicos e a escuta viva da Palavra de
Deus. Ela se sente em consonância sobretudo com a esposa do "Cântico dos
Cânticos", com o apóstolo Paulo, além de com o Cristo da Paixão e com
Jesus Eucarístico.
A santa enfatiza, depois, quão essencial é a oração: rezar
significa "tratar de amizade com Deus, estando muitas vezes tratando a sós
com quem sabemos que nos ama" (Vida 8, 5). A ideia de Santa Teresa
coincide com a definição que São Tomás Aquino dá da caridade teologal, como
“amicitia quaedam hominis ad Deum”, uma espécie de amizade entre o homem e
Deus, quem primeiro ofereceu sua amizade ao homem (Summa Theologiae II-ΙI, 23,
1). A iniciativa vem de Deus. A oração é vida e se desenvolve gradualmente, em
sintonia com o crescimento da vida cristã: começa com a oração vocal, passa
pela interiorização, através da meditação e do recolhimento, até chegar à união
de amor com Cristo e com a Santíssima Trindade. Obviamente, este não é um
desenvolvimento no qual subir degraus significa abandonar o tipo de oração
anterior, mas um gradual aprofundamento da relação com Deus, que envolve toda a
vida. Mais que uma pedagogia da oração, a de Teresa é uma verdadeira
"mistagogia": ela ensina o leitor de suas obras a rezar, rezando ela
mesma com ele; frequentemente, de fato, interrompe o relato ou a exposição para
fazer uma oração.
Outro tema caro à santa é a centralidade da humanidade de
Cristo. Para Teresa, na verdade, a vida cristã é uma relação pessoal com Jesus
que culmina na união com Ele pela graça, por amor e por imitação. Daí a
importância que ela atribui à meditação da Paixão e à Eucaristia, como presença
de Cristo na Igreja, para a vida de cada crente e como coração da liturgia.
Santa Teresa vive um amor incondicional à Igreja: ela manifesta um vivo sensus
Ecclesiae frente a episódios de divisão e conflito na Igreja do seu tempo.
Reforma a Ordem Carmelita com a intenção de servir e defender melhor a "Santa
Igreja Católica Romana" e está disposta a dar sua vida por ela (cf. Vida
33, 5).
Um último aspecto fundamental da doutrina de Teresa que eu
gostaria de sublinhar é a perfeição, como aspiração de toda vida cristã e sua
meta final. A Santa tem uma ideia muito clara da "plenitude" de
Cristo, revivida pelo cristão. No final do percurso do "Castelo
Interior", na última "morada", Teresa descreve a plenitude,
realizada na inabitação da Trindade, na união com Cristo mediante o mistério da
sua humanidade.
Queridos irmãos e irmãs, Santa Teresa de Jesus é uma
verdadeira mestra de vida cristã para os fiéis de todos os tempos. Em nossa
sociedade, muitas vezes desprovida de valores espirituais, Santa Teresa nos
ensina a ser incansáveis testemunhas de Deus, da sua presença e da sua ação;
ensina-nos a sentir realmente essa sede de Deus que existe em nosso coração,
esse desejo de ver Deus, de buscá-lo, de ter uma conversa com Ele e de ser seus
amigos. Esta é a amizade necessária para todos e que devemos buscar, dia após dia,
novamente.
Que o exemplo desta santa, profundamente contemplativa e
eficazmente laboriosa, também nos encoraje a dedicar a cada dia o tempo
adequado à oração, a esta abertura a Deus, a este caminho de busca de Deus,
para vê-lo, para encontrar a sua amizade e, por conseguinte, a vida verdadeira;
porque muitos de nós deveríamos dizer: "Eu não vivo, não vivo realmente,
porque não vivo a essência da minha vida". Porque este tempo de oração não
é um tempo perdido, é um tempo no qual se abre o caminho da vida; abre-se o
caminho para aprender de Deus um amor ardente a Ele e à sua Igreja; e uma
caridade concreta com nossos irmãos. Obrigado.
No final da audiência, o Papa cumprimentou os peregrinos em
vários idiomas. Em português, disse:
Queridos irmãos e irmãs,
Santa Teresa de Jesus, nascida no século XVI, é um dos
vértices da espiritualidade cristã de todos os tempos, e deu início, junto com
São João da Cruz, à Ordem dos Carmelitas descalços. Apesar de não possuir uma
formação acadêmica, sempre soube se alimentar dos ensinamentos de teólogos,
literatos e mestres espirituais. Suas principais obras são "O livro da
Vida", "Caminho da perfeição", "Castelo Interior" e
"O Livro das Fundações". Entre os elementos essenciais da sua
espiritualidade, podemos destacar, em primeiro lugar, as virtudes evangélicas,
base de toda a vida cristã e humana. Depois, Santa Teresa insiste na
importância da oração, entendida como relação de amizade com Aquele que se ama.
A centralidade da humanidade de Cristo, outro tema que lhe era muito caro,
ensina que a vida cristã é uma relação pessoal com Jesus, a qual culmina na
união com Ele pela graça, pelo amor e pela imitação. Por fim, está a perfeição,
aspiração e meta de toda vida cristã, realizada na inabitação da Santíssima
Trindade, na união com Cristo através do mistério da Sua humanidade.
Dou as boas-vindas a todos os peregrinos de língua
portuguesa, presentes nesta audiência! Que o exemplo e a intercessão de Santa
Teresa de Jesus vos ajudem a ser, através da oração e da caridade aos irmãos,
testemunhas incansáveis de Deus em uma sociedade carente de valores
espirituais. Com estes votos, de bom grado, a todos abençoo.
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