PECADO É SER INFIEL A UM TRATO DE AMOR
Há muita consciência relaxada praticando horrores
A Palavra de Deus é luz para o nosso caminho quando
apresenta figuras ricas de detalhes, cuja personalidade nos dá a possibilidade
de penetrar no mais profundo de nós mesmos, reconhecendo os horizontes que se
abrem, mesmo a partir dos eventuais limites que nos caracterizam. Uma delas é o
rei Davi, num misto de jovem chamado na mais tenra idade a servir ao Senhor,
ele foi guerreiro intrépido, amigo sincero, cantor das obras de Deus, dançarino
ridicularizado por uma esposa, adúltero, penitente, governante capaz de unir
tribos dispersas, até chegar ao idoso previdente. Nuances profundamente
humanas, cujo pano de fundo era o amor eterno de Deus que dele cuidava. Muito
parecido com os homens e mulheres de nossa magnífica e ao mesmo tempo complexa
geração.
Nossos primeiros pais se viram nus nas primeiras páginas do
livro do Gênesis (Gn 3,10), escondendo-se do Senhor, quem sabe prefigurando
todas as pessoas que dele fogem com medo da luz. O Davi adúltero, instado pela
palavra profética de Natan (II Sm 12,7-13), reconheceu seu crime – “Pequei
contra o Senhor” – e deixou em herança o segredo da conversão, quando qualquer
homem ou mulher podem ver queimadas suas misérias no fogo ardente de amor do
coração de Deus.
Como Deus condena o pecado, mas quer salvar o pecador, a luz
sempre entra pela porta do arrependimento sincero. Fecham-se, contudo, quando o
orgulho bloqueia a gratuidade do amor de Deus. É que pecado não significa
burlar uma lei externa, como se Deus fosse um guarda de trânsito a vigiar
nossos passos. Também não entendeu o que é pecado quem apenas considera errado
o que “dói” dentro de si. Há muita consciência
relaxada praticando horrores por
não sentir nada! Pecado é ser infiel a um trato de amor, aliança
estabelecida entre Deus que nos criou por amor e nos busca como ovelhas
perdidas, quase mendigando nossa resposta de amor, incrível gratuidade que Ele
diz ao Davi arrependido: “Tu não morrerás”!
Os encontros das pessoas com Jesus foram reveladores dos
meandros mais profundos da alma humana. Um dia (Lc 7,36-8,3) vem uma pecadora,
irrompe em casa de certo Simão, cujos gestos de delicadeza e hospitalidade
foram parcos, por não ter oferecido ao hóspede divino água, perfume e beijo. A
mulher, quem sabe uma prostituta, prostra-se aos pés do Senhor – gesto da
pessoa que descobriu seu caminho de libertação –, lava os pés de Jesus com as
próprias lágrimas. Humilhando-se, solta os cabelos com os quais enxuga os pés
de Jesus, derrama sobre eles um perfume raro e caro, sinal de alegria,
abundância, amor e consagração, e os beija, na festa da acolhida encontrada.
Nenhuma justificação e tanta gratidão! Ela pronuncia o 'amém' da fé no perdão
de Jesus e em seu amor que se deixa amar. Personalidade misteriosa e rica!
A estrada da conversão foi percorrida por outras
personalidades igualmente provocantes. Paulo, fulgurado pelo amor de Cristo (Gl
2,16-21), descobriu o amor do Senhor e, perseguidor implacável que era
anteriormente, veio a se tornar imagem viva e transparente de seu Senhor: “Eu
vivo, mas não eu, é Cristo que vive em mim”. Depois dele, muitos perseguidores
já se transformaram em discípulos ardorosos!
A história de Davi, ou da pecadora do Evangelho, de Paulo ou
de todos os homens e mulheres que empreenderam a santa viagem da conversão é
muito parecida. A Palavra de Deus ressoa como farol luminoso, convidando-nos a
percorrê-la! Deus não nos olha de fora, mas conhece as profundezas de nosso
ser. Lá dentro, identifica a mais tênue réstia de luz, prodigalizando
misericórdia a mancheia. E a todos os que acolhem sua bondade infinita
transforma em apóstolos do perdão, para visitarem em seu nome corações e casas.
Não há desculpas. De Davi a Paulo, passando por todos os pecadores e pecadoras,
cada um de nós encontra seu lugar.
É relativamente fácil denunciar os erros das pessoas, sem
apontar saídas possíveis! Difícil é olhar lá dentro do mistério de cada ser
humano, descobrindo que nenhuma pessoa foi feita “no rascunho”, mas destinada à
felicidade e à salvação. O olhar da misericórdia descobre caminhos e
soluções. Que ninguém passe em vão ao nosso lado!
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém - PA
Arcebispo de Belém - PA
Fonte: www.cancaonova.com
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